quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Ausência paterna e o impacto na mente da criança pela PSICANÁLISE


Freud em seu texto Bate-se numa Criança demonstra o quanto a entrada do pai na vida de uma criança marca significativamente para sempre e de forma determinante uma estrutura psíquica.
É bom lembrar que pai, para a psicanálise, é entendido como o terceiro elemento que irá cortar o vínculo simbiótico entre a mãe e seu bebê, tão necessário num primeiro tempo de uma estruturação psíquica, mas prejudicial se perpetuado. Pai é o representante da Lei, lei que interdita a folia inebriante da díade mãe-bebê; lei que impede que o desejo materno "devore" seu produto; da lei que cria o espaço favorável ao surgimento do enigma; lei que convoca ao desejo, à singularidade, à apropriação do campo simbólico (campo da palavra e dos significantes); lei que instaura o espaço criador, espaço facilitador das operações simbólicas, criativas; do brincar; da aprendizagem, da construção da imagem corporal, etc. Logo, a entrada do pai em cena, é determinante para que o bebê-filho possa ascender à condição de criança-filho.

A passagem de dois para três é, na mente da criança, de um impacto tão forte que dizemos que se trata de um trauma. A palavra “impacto”, dentre algumas definições na nossa língua, significa: “Impressão muito forte, muito profunda causada por motivos diversos”. À construção da cena a três nomeamos, em psicanálise, de cena edípica e é em torno do Édipo que toda a estrutura psíquica e mental se desenvolve. Sem a presença do Pai, não são possíveis a fantasia, a elaboração mais complexa do pensamento, a criação, a curiosidade tão necessárias ao processo da aprendizagem da leitura e da escrita (a lex escritura). É a partir do contexto edípico que a metaforização se torna viável. O pai é normatizador da estrutura mental e psíquica.

O excesso de presença materna, a parada neste tempo primeiro da estrutura põe em risco a construção mental. Lacan compara o desejo materno à boca aberta de um crocodilo devorador e compara a função paterna ao pedaço de pau, à uma barra que impede a boca do jacaré de se fechar e devorar sua presa. É função da mãe que acolhe também ofertar sua ausência para que outros possam surgir no mundo da criança. É a mãe quem oferece ao filho um pai. É pela palavra da mãe que um pai passa a fazer parte da estrutura psíquica de um filho. Desse pai, esperamos que possa se apropriar de seu lugar e, junto com a mãe, oferecer o mundo, o diferente, o aprendizado, a escola, enfim, realizar as podas necessárias para que a criança cresça longe de se tornar um apêndice da mãe (o que implicaria numa relação simbiótica, fusional na qual não há Um nem Outro). Excesso de presença e excesso de ausência não montam sujeito.

É tarefa da função paterna, presente tanto na mãe quanto no pai, cortar este elo, dar condição de que o filho possa ser desejante e de que ele possa ir se apropriando da sua própria construção em seu devido tempo. Sabemos que a possibilidade de se exercer a função materna sobre o viés da presença/ausência só é possível quando a função paterna pode estar também em operação para a mãe. A função paterna é aquela que interdita a simbiose, que propicia o aconchego sem fusão, que protege, mas não oprime, que diz alternadamente sim e não, que pode dar limites, bordas, contorno a um EU. A função paterna diferencia e destaca Um do Outro. A função paterna em operação na mulher barra a mãe do desejo de devorar o objeto fálico, seu filho, permitindo com sua presença/ausência a criação do enigma e do desejo na criança. Dessa maneira, ela pode reconhecer o filho não como o falo, mas como um representante fálico e, assim, desviar seu olhar para outros objetos. A função paterna permite a entrada do 3° elemento, o pai, e, desta forma, a Lei paterna tem vigor para a mãe e pode ser instaurada no filho, possibilitando uma etapa além na construção do psiquismo do pequenino para o advir de um Sujeito.

A angústia do 8° mês de vida, descrita por Spitz, mostra que o bebê possui uma mãe marcada pela função paterna e que esta função está em operação, pois ele já consegue distinguir o familiar do estranho. Mas é preciso ir além para o advir de um Sujeito. A experiência da separação é fundamental para o processo de criação das defesas. O processo de separação conduz a criança a criar possibilidades de existência singular; abre caminhos. A função paterna interdita as fantasias devoradoras e incestuosas entre mãe e filho. O pai salva o filho do destino fatídico de ser o objeto do desejo da mãe. O pai convoca o filho e a mãe a serem desejantes, a reconhecerem que um não completa o outro. O pai cria o triângulo amoroso, tão necessário à constituição psíquica. O que está no centro da questão do inconsciente e o que este nos revela é o complexo de Édipo, o triângulo familiar, em torno do significante falo.

A revelação do inconsciente é a amnésia infantil que incide sobre a existência dos desejos infantis pela mãe e sobre o fato de esses desejos serem recalcados. Ressalte-se que eles não são reprimidos, pois são desejos primordiais, marcas primárias advindas do campo do Outro. Por serem primordiais, são recalcados e sempre presentes. A lei paterna é transmitida pela voz do pai que proíbe a relação incestuosa com a mãe e se interioriza como voz da consciência moral no momento do declínio do Édipo. Freud declara que é com o Édipo que a lei paterna é internalizada e, como consequência, temos o supereu, que é o herdeiro do complexo de Édipo. A entrada do pai provoca uma estrutura, convoca à cena edípica.

Antes da entrada do pai, tudo é pré-edípico. Em torno do pré-edipiano reúnem-se as questões da perversão e das psicoses onde o campo da realidade é profundamente perturbado por imagens. O tempo pré-edipiano sofre da função da imagem. Neste tempo não podemos falar ainda de fantasia. Para haver fantasia precisa-se do pai em cena. O pai, o terceiro, corta o elo entre mãe e filho para renodular, introduzindo a possibilidade de uma nova amarração em
que, ao Simbólico (já existente desde sempre), e ao Real, pode ser incorporado o Imaginário, que dará consistência ao Sujeito, bem como colocará em vigor o simbólico e, a aprendizagem poderá ocorrer. O que possibilita a amarração dos três registros (R S I) constituintes da estrutura psíquica é o significante Nome-do-Pai, marca fundamental que, quando posta em funcionamento pela função paterna, possibilita a montagem de aparelho psíquico. É no vigor do Nome-do-Pai e em torno do falo que o psiquismo se monta.

O complexo de Édipo, além da estrutura moral e das relações com a realidade, tem função normativa, principalmente quanto à assunção do sexo. No Édipo, há a assunção do próprio sexo pelo sujeito: o homem assume o tipo viril e a mulher um certo tipo feminino e se identifica como mulher com suas funções femininas. "A virilidade e a feminização são essencialmente a função do Édipo" (Lacan). Todas as discussões que se produzem em torno do Édipo são em tomo da função do pai, pois se trata de uma única e mesma coisa. Não existe a questão do Édipo quando não existe pai como também falar do Édipo é introduzir como essencial a função do pai.

O Édipo gira em torno de três pólos: o supereu, a realidade e o Ideal do Eu (que concernem à assunção do sexo). Esses pólos estão referidos à questão do complexo de castração. Logo, a presença ou ausência do pai, não do pai genético, do pai representante da lei, é fundamental para a construção, ou não, da cena edípica, da fantasia. O pai, o terceiro, subverte o desejo da criança de ser o falo para o de ter o falo. Logo, é em torno do falo que o humano se constrói.

Houve um tempo que se atribuía ao excesso de pai, excesso da presença paterna, o engendramento de todos os dramas. A imagem do pai aterrorizante era o ponto traumatizante; o pai gentil era mais grave ainda. Hoje nos defrontamos com a interrogação sobre as carências paternas. Há pais fracos, submissos, abatidos, castrados pela mulher, pais enfermos, etc, porém, o que está em questão é a função do pai. Mesmo nos casos em que a criança é deixada sozinha com a mãe, complexos de Édipo inteiramente normais se estabelecem. Quando nos referimos à carência do pai, estamos tomando o pai como aquele que mantém seu lugar como membro do trio fundamental da família.

O pai como normativo não significa o mesmo que um pai normal. A normalidade do pai é uma questão e a posição normal na família é outra. É por toda a sua presença, por seus efeitos no inconsciente, que ele realiza a interdição da mãe, sob a ameaça da castração. O vínculo da castração com a lei é essencial. A relação do menino, por exemplo, com o pai, é dominada pelo medo da castração. O medo experimentado diante do pai é, neste tempo, constituinte. É o pai quem interdita, com sua Lei da castração, a mãe, seu objeto privilegiado. O pai proíbe a mãe. Como objeto, ela é dele, não do filho. A essa proibição levanta-se, em represália, intenções agressivas. Na verdade, o medo experimentado diante do pai tem seu cerne no centro do próprio sujeito.

Para a psicanálise, a criança está submetida ao processo de construção do Outro. Freud chamava a criança de "perverso polimorfo", isto é, ainda sem uma estrutura definida, precisando da lei do Outro para recalcar e frear sua pulsão destrutiva. Assim, a função paterna é fundamental e deve ser exercida por quem dela se autorizar. Isto é Pai. O fracasso desse processo dá seus sinais de diferentes formas, contudo sabemos que, quando estamos diante das psicoses, estamos lidando com a foraclusão do pai. Não se trata sequer de ausência, pois só podemos pensar em ausência desde que tenha havido uma presença. A foraclusão é de outra ordem: trata-se da montagem psíquica sem a interdição, sem Édipo.

Não é sem motivo que, na psicose, não é possível a metáfora. A Lei é normatizadora, logo, dá limites. Para que servem os limites? Servem para nos tirar da indiferenciação, para dar contorno, para nos marcar enquanto humanos diferentes dos outros animais, para nos inserir num grupo social e, portanto, tendo que frear as pulsões mortíferas. O limite direciona a vida à cultura, à criação. É preciso temer as pulsões mortíferas: a agressividade limitada é empreendedora; A agressividade sem limite é violência. “NÂO” é preciso! Sim e não são essenciais! Mãe e pai são fundamentais. Fundam sujeito. Desde Freud, com o mito edípico, o pai tem lugar de destaque nas estruturas clínicas. O quadrilátero pai-mãe-criança-falo é a mola propulsora de todo o processo psíquico. É fundamental e importante sabermos das implicações que a ausênciada lei paterna pode causar na mente de uma criança para que possamos o mais a tempo possível intervir.

Sem pai enquanto representante da lei, sem limite, o sujeito fica à deriva, à mercê da pulsão de morte. Logo, pai é estruturante!

FONTE: Maria Prisce Cleto Teles Chaves
Psicanalista - Membro da CSP - ABENEPI RJ – Especialista em Gestão Materno-Infantil
pela FIOCRUZ ─Mestranda em Psicanálise,Saúde e Sociedade da UVA.
Rio de Janeiro - RJ


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