Já há algum tempo, no curso de um movimento iniciado no hemisfério norte, vem sendo disseminada nas escolas brasileiras a chamada “ideologia de gênero”. À revelia dos pais, crianças e adolescentes têm sido expostos a um discurso sobre os sexos que, além de os levar a interpretações errôneas da realidade, os torna confusos e vacilantes em relação à circunstância mais básica e evidente da existência humana: o fato de alguém ser homem ou mulher. O que vem ocorrendo é um verdadeiro abuso moral. Dada a importância do assunto, resolvi dedicar a ele uma série de artigos aqui no blog.
A “ideologia de gênero” é um emaranhado de postulados sem comprovação científica, desarticulados e muitas vezes contraditórios entre si, que transitam entre temas como “identidade de gênero”, “transgeneridade”, “orientação sexual” e “desigualdade de gênero”. Nesse artigo, vou tratar do primeiro tema, ou seja, da pressuposição de que ser homem ou ser mulher nada teria a ver com o fato de se nascer com um corpo masculino ou feminino, sendo antes matéria de decisão pessoal. Ou, alternativamente, de que uma pessoa pode “descobrir” que não é nem homem nem mulher, havendo um cardápio de mais de 50 gêneros já catalogados e disponíveis à escolha. O “gênero” seria não só algo descolado do sexo biológico, como teria o poder de anulá-lo.
É
com base nessas ideias delirantes que os promotores da “ideologia de gênero”
militam pela implementação de uma pedagogia escolar que estimula meninos e
meninas a realizarem atividades, usarem roupas, e brincarem com objetos
tradicionalmente associados ao sexo oposto. Em certas escolas, chega-se ao
paroxismo de proibir o uso de pronomes distintivos de gênero, que são
substituídos por um pronome “neutro” inventado artificialmente com esse fim.
Segundo essa cartilha, as crianças devem ser educadas num ambiente de completa
indistinção, alienadas, o máximo possível, de sua condição sexuada. Mas
não nos deixemos iludir: essa ideologia é essencialmente política e nada tem de
libertária.
Não
se trata de dar liberdade para que as crianças sejam meninos ou meninas à sua
própria maneira, e sim de fomentar dúvidas e questionamentos em relação à sua
própria identidade. O objetivo não é combater discriminações e preconceitos,
estimular o respeito às diferenças, etc, e sim planificar a visão de mundo das
novas gerações, por meio da desconstrução do conceito tradicional de família e
do ataque à heteronormatividade. Não por acaso, nas escolas cujos currículos já
foram invadidos pela “ideologia de gênero”, os estudantes também são
permanentemente expostos a um discurso de crítica ao modelo de família nuclear
baseado na complementariedade entre marido e mulher.
De
onde vem a “ideologia de gênero”? O que chega nas escolas é uma versão
popularizada de ideias gestadas no contexto das disciplinas universitárias
agrupadas sob o título de Humanidades, e posteriormente disseminadas com o
auxílio da mídia. A partir da década de sessenta, essas disciplinas foram se
tornando gradativamente comprometidas com a pauta da segunda onda feminista,
focada na crítica aos fundamentos da cultura judaico-cristã, e na revolução dos
costumes. Nos anos noventa, já haviam acolhido também os anseios da militância
LGBT. Porém, apesar de sua origem acadêmica e de seu verniz pseudocientífico, a
“ideologia de gênero” se baseia em formulações desprovidas de rigor intelectual
e sem nenhum compromisso com a realidade dos fatos associados aos sexos. Vamos
então aos fatos.
Meninos
e meninas nascem diferentes, não só no que se refere à fisiologia genital e
reprodutiva, mas também à composição hormonal e à estrutura psíquica. Numa
visada geral, essas diferenças se refletem nos modos de se desenvolver e de se
comportar, assim como em suas respectivas seleções recorrentes de interesses. A
partir dos três anos de idade, quando as capacidades verbais e motoras já estão
mais desenvolvidas e as crianças adquirem competência para expressar suas
disposições e habilidades, alguns padrões se tornam evidentes.
Por
exemplo, é fato notório que, em média, os meninos desenvolvem a coordenação
ampla (relacionada aos atos de correr, pular, escalar, etc.) ligeiramente mais
cedo, ao passo que as meninas se antecipam no desenvolvimento da coordenação
fina (relacionada às habilidades de desenhar, escrever). A maioria dos meninos
costuma vibrar com brincadeiras de lutar, escalar e deslizar pelo chão, ao
passo que a maioria das meninas prefere movimentar-se de maneira mais
estruturada, ou, pelo menos, não tão explosiva e arriscada. Do ponto de vista
linguístico, é comum que as meninas falem e ampliem o vocabulário mais cedo,
sendo também mais sensíveis aos sinais de comunicação não-verbal. Por fim,
podemos citar ainda tendências diversas nas formas de sociabilidade, os meninos
preferindo brincar em grupos maiores e mais erráticos, e as meninas sendo mais
inclinadas a formar grupos coesos ou pares de afinidade.
Os
promotores da “ideologia de gênero” alegam que esses padrões não seriam
expressão de diferenças naturais entre os sexos, e sim resultado de um processo
de socialização que induziria as crianças a se comportarem de acordo com os
“estereótipos sexuais da sociedade ocidental”. Ora, ao defender essa ideia,
eles fazem vista grossa para dois conjuntos de dados muito importantes. Por um
lado, para toda a produção das neurociências a respeito das correlações entre o
comportamento de homens e mulheres, e o modo como funcionam os seus respectivos
sistemas hormonal e neuronal. Por outro lado, para o fato de que, a despeito de
variações culturais de nível superficial, esses padrões se revelam histórica e
etnograficamente recorrentes, estando longe de representar uma exclusividade da
sociedade ocidental. Mas os promotores da “ideologia de gênero” não gostam de
discutir dados que contrariem as suas teses e os seus projetos de engenharia
social. Sendo assim, temos mais um motivo para impedi-los de participar da
educação de nossas crianças, a saber, a sua desonestidade intelectual.
Educar
uma criança consiste em oferecer-lhe os meios para que desenvolva, da maneira
mais elevada possível, as suas potencialidades individuais, o que inclui dar
plena expressão à sua condição sexuada. Nesse sentido, devemos ajudá-la a
cultivar os seus melhores talentos não só para a vida em comunidade, mas também
para a vida na intimidade da família que provavelmente irá formar. Nunca houve,
em lugar ou tempo algum, exceto na mídia e nas universidades do Ocidente
pós-moderno, quem deixasse de compreender o papel que as diferenças naturais
entre homens e mulheres cumprem no sentido de prover a estrutura familiar com o
máximo de recursos que concorram para o seu sucesso. Porém, para aqueles que
desejam o esfacelamento da família nuclear, nada que propicie a
complementariedade entre os sexos deve ser legitimado.
Isso
explica, por exemplo, a aversão dos promotores da “ideologia de gênero” às
clássicas brincadeiras de menina e menino, bem como a sua insistência em
criticá-las. Para eles, uma menina pode brincar de ser médica, empresária,
astronauta ou presidente de um país, mas a fantasia de ser mãe ou dona de casa
precisa ser desconstruída. Melhor guardar a boneca e as panelinhas antes que
ela tome gosto. Do mesmo modo, é preciso impedir que os meninos se percebam
ágeis, fortes e resistentes. Urge proibir a brincadeira de luta e dar sumiço na
capa de super-herói. Pois se um homem confiante e corajoso é um bem
incalculável para uma família, para a ideologia de gênero ele representa um
empecilho e tanto.
Mas
o que dizer das meninas que não ligam para bonecas e dos meninos que não gostam
de brincar de luta? Ora, não há absolutamente nada de errado com essas
crianças. Evidentemente, não seria de se esperar que as diferenças naturais
entre os sexos se atualizassem da mesma forma, e na mesma medida, nas
predisposições e preferências individuais de todas os meninos e meninas.
Escolhi citar tais brincadeiras menos por sua recorrência (que, no entanto, é
real), e mais pelo fato de serem tão combatidas pelos promotores da “ideologia
de gênero”. Mas deixo o assunto para o próximo artigo. Esse aqui já está muito
longo e preciso finalizá-lo com um alerta.
Pais
e mães, redobremos a nossa atenção. Não deixemos que os nossos filhos sejam
usados como massa de manobra por pessoas que não hesitarão em se aproveitar de
sua imaturidade intelectual e psicológica. Precisamos ficar de olho no modo
como a escola lida com essas questões, e sempre atentos ao nível de
transparência de suas ações pedagógicas. Não podemos abrir mão de nossas
prerrogativas parentais, permitindo que crianças saudáveis e cheias de energia
criativa sejam transformadas em pequenos militantes angustiados e ansiosos em
relação ao seu próprio modo de ser. Seja ele qual for.
CristianeLasmar, Doutora em
Antropologia