Não nos esqueçamos de uma coisa:
Paulo era homem, apenas homem, escreveu inspirado, mas continha as limitações
humanas, e certa vez entrou numa viagem filosófica difícil de sair, numa canoa
furada.
No afã de tentar explicar o
inexplicável, de penetrar no mistério impenetrável, de descrever o
indescritível, tentou delinear sobre a chamada “eleição/predestinação”,
mas nem ele mesmo (Paulo) estava entendendo o que ele próprio estava
escrevendo. Sim, ele se encurralou todo!
Ele como judeu, olhava para trás e
via o TODO da história de Deus com seu povo Israel. Agora pregador do evangelho,
pregava e não era aceito, antes, percebia um Israel completamente cético quanto
a Jesus, o que suponhamos dizer que estariam todos perdidos por tal rejeição,
certo? Para Paulo sim, outra hora não; depois ‘sim’ novamente...
Vê-se claramente que ele tenta
explicar que Deus havia eleito e predestinado a salvação de todo o Israel
segundo o Seu desejo (9), mas volta atrás dizendo que pela desobediência de
Israel quanto a Jesus “orava para que Israel se salvasse” (10:1). Depois
tropeça retornando a tese anterior de que, mesmo desobediente, a nação
estaria salvamente eleita por causa da obediência dos
patriarcas(11:28 a 30).
Ué, Paulo, Deus predestinou Israel a
salvação ou não?
Paulo então errou? Não, só fez uma
viagem ingenuamente filosófica, nada mais do que isso. Ele apenas
tentou explicar o assunto da eleição predestinada de Deus:
Ilustremos através de um imaginário. Suponhamos que
Paulo entra no quarto de casa, fecha a porta, joga a chave fora pela janela,
fixado no meio começa a pintar todo o recinto pelos cantos, e sem conseguir
sair do local (porque todo cômodo ainda estava molhado), ele grita desesperado,
porque nem ele mesmo conseguia entender o que ele havia feito: ter ficado preso
no meio e todo seu redor pintado. Foi então que ele “explode” e dispara:
“Ó profundidade das riquezas,
tanto da sabedoria tanto da ciência de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus
caminhos! Quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi
o seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja
recompensado? Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas.”
(Rm 11:33 a 36)
De tão sublime e misterioso que é,
não é entendido e referível por ninguém.
Ora, justamente por causa destas
perguntas – “quem compreendeu...”, “quem foi...” e “quem
lhe deu...” – que ele não deveria ter feito viagem
filosófica inicial, uma vez que as perguntas revelam que ele não sabia como
Deus agia, se predestina ou não a salvação. As perguntas são um eco da dúvida e
do não entendimento do agir de Deus na história.
Essas são palavras nítidas de
perplexidade, pois é claro, está para além dele. Quem de fato entende Deus? Ele
se trancou no pensamento e explodiu dizendo que isso não pertencia ao homem. Só
faltou pedir desculpas aos leitores, dado o tão grande encurralamento em não
conseguir terminar sua síntese de forma coesa.
Não nos enganemos:
Paulo não pode nos problematizar,
porque ele foi, é, e sempre será relativo, absoluto só Jesus! Paulo
mesmo se relativizava, por que não posso relativizá-lo? Ao logo da
história, certas cartas do Novo Testamento foram tão relativizadas, que por
pouco não foram negadas sua canonicidade. Por que se assim também eu fizer
repousa sobre mim uma desconfiança herética, como se eu não pudesse colocar em
xeque o que anteriormente já se colocaram? Pela ideia de que toda a bíblia é
inerrante, e por isso é de toda inspirada por Deus não contendo erros, que se
fica santificando e absolutizando Paulo em todos os sentidos, coisa que nem ele
mesmo fazia, pelo contrário:
* Em I Coríntios ele releva três vezes seu
desejo de ser uma figura relativa, e não absoluta. Ele disse: "Mas aos
outros digo eu, não o Senhor..." (I Co 7:12). Ele diz: “agora
digo eu..”, e também: "...quanto às virgens, não tenho
mandamento do Senhor; dou porém o meu parecer..." (v.25); e
absolutizando as próximas recomendações, disse: “agora diz o Senhor...”
(v.10), significando dizer que, o que ele dizia naquele momento em seguida era
Palavra de Deus e não dele, não humano e circunstancial. Também disse: "...ninguém
pense de mim mais do que de mim vê ou de mim ouve" (II Co 12:6).
* Em (Gl 1:8,9) ele diz que "se ele
mesmo pregasse um outro evangelho deveria ser considerado anátema",
tamanho o perigo de se passar a imagem de alguém absoluto.
* “O que digo, não o digo segundo o
Senhor, mas, como por loucura, nesta confiança de gloriar-me. Pois que
muitos se gloriam segundo a carne, eu também me gloriarei.” (II Co
11:17,18)
Percebe-se que a viagem dele foi tão
grande, que olhando para um todo de Paulo, a tudo que ele ensinou
nas outras cartas, até mesmo na de Romanos, nota-se que o surto filosófico não
se parece com nada que outrora ele tenha ensinado, e nem com o todo das
escrituras, principalmente com Jesus. O ensino de Paulo é que "todos se
arrependam" (At 17:30), e que "todos obtenham pleno
conhecimento da verdade" (I Tm 2:3,4), e não esse estupro de
eleição preconceituosa de Deus escolhendo quem quer.
Paulo foi indiscutivelmente
fundamental para a fé cristã, foi a figura mais proeminente e incomparável do
N.T., sua conversão foi a mais chocante de todas. Paulo só faz bem, contudo, em
certos casos seja necessário relativizá-lo.
Que possamos ler tudo com cuidado,
até a bíblia.
Rubens Júnior,
Niterói, RJ
11/07/12