quarta-feira, 11 de julho de 2012

* Relativizar Paulo é necessário - O seu encurralamento frente a predestinação

Não nos esqueçamos de uma coisa: Paulo era homem, apenas homem, escreveu inspirado, mas continha as limitações humanas, e certa vez entrou numa viagem filosófica difícil de sair, numa canoa furada. 

No afã de tentar explicar o inexplicável, de penetrar no mistério impenetrável, de descrever o indescritível, tentou delinear sobre a chamada “eleição/predestinação”, mas nem ele mesmo (Paulo) estava entendendo o que ele próprio estava escrevendo. Sim, ele se encurralou todo!


Ele como judeu, olhava para trás e via o TODO da história de Deus com seu povo Israel. Agora pregador do evangelho, pregava e não era aceito, antes, percebia um Israel completamente cético quanto a Jesus, o que suponhamos dizer que estariam todos perdidos por tal rejeição, certo? Para Paulo sim, outra hora não; depois ‘sim’ novamente...


Vê-se claramente que ele tenta explicar que Deus havia eleito e predestinado a salvação de todo o Israel segundo o Seu desejo (9), mas volta atrás dizendo que pela desobediência de Israel quanto a Jesus “orava para que Israel se salvasse” (10:1). Depois tropeça retornando a tese anterior de que, mesmo desobediente, a nação estaria salvamente eleita por causa da obediência dos patriarcas(11:28 a 30).

Ué, Paulo, Deus predestinou Israel a salvação ou não?

Paulo então errou? Não, só fez uma viagem ingenuamente filosófica, nada mais do que isso. Ele apenas tentou explicar o assunto da eleição predestinada de Deus:

Ilustremos através de um imaginárioSuponhamos que Paulo entra no quarto de casa, fecha a porta, joga a chave fora pela janela, fixado no meio começa a pintar todo o recinto pelos cantos, e sem conseguir sair do local (porque todo cômodo ainda estava molhado), ele grita desesperado, porque nem ele mesmo conseguia entender o que ele havia feito: ter ficado preso no meio e todo seu redor pintado. Foi então que ele “explode” e dispara:

Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria tanto da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas.” (Rm 11:33 a 36)

De tão sublime e misterioso que é, não é entendido e referível por ninguém.

Ora, justamente por causa destas perguntas – “quem compreendeu...”, “quem foi...” e “quem lhe deu...” – que ele não deveria ter feito viagem filosófica inicial, uma vez que as perguntas revelam que ele não sabia como Deus agia, se predestina ou não a salvação. As perguntas são um eco da dúvida e do não entendimento do agir de Deus na história.

Essas são palavras nítidas de perplexidade, pois é claro, está para além dele. Quem de fato entende Deus? Ele se trancou no pensamento e explodiu dizendo que isso não pertencia ao homem. Só faltou pedir desculpas aos leitores, dado o tão grande encurralamento em não conseguir terminar sua síntese de forma coesa.

Não nos enganemos:

Paulo não pode nos problematizar, porque ele foi, é, e sempre será relativo, absoluto só Jesus! Paulo mesmo se relativizava, por que não posso relativizá-lo? Ao logo da história, certas cartas do Novo Testamento foram tão relativizadas, que por pouco não foram negadas sua canonicidade. Por que se assim também eu fizer repousa sobre mim uma desconfiança herética, como se eu não pudesse colocar em xeque o que anteriormente já se colocaram? Pela ideia de que toda a bíblia é inerrante, e por isso é de toda inspirada por Deus não contendo erros, que se fica santificando e absolutizando Paulo em todos os sentidos, coisa que nem ele mesmo fazia, pelo contrário:

* Em I Coríntios ele releva três vezes seu desejo de ser uma figura relativa, e não absoluta. Ele disse: "Mas aos outros digo eu, não o Senhor..." (I Co 7:12). Ele diz: “agora digo eu..”, e também: "...quanto às virgens, não tenho mandamento do Senhor; dou porém o meu parecer..." (v.25); e absolutizando as próximas recomendações, disse: “agora diz o Senhor...” (v.10), significando dizer que, o que ele dizia naquele momento em seguida era Palavra de Deus e não dele, não humano e circunstancial. Também disse: "...ninguém pense de mim mais do que de mim vê ou de mim ouve" (II Co 12:6). 
* Em (Gl 1:8,9) ele diz que "se ele mesmo pregasse um outro evangelho deveria ser considerado anátema", tamanho o perigo de se passar a imagem de alguém absoluto.
*O que digo, não o digo segundo o Senhor, mas, como por loucura, nesta confiança de gloriar-me. Pois que muitos se gloriam segundo a carne, eu também me gloriarei.” (II Co 11:17,18)

Percebe-se que a viagem dele foi tão grande, que olhando para um todo de Paulo, a tudo que ele ensinou nas outras cartas, até mesmo na de Romanos, nota-se que o surto filosófico não se parece com nada que outrora ele tenha ensinado, e nem com o todo das escrituras, principalmente com Jesus. O ensino de Paulo é que "todos se arrependam" (At 17:30), e que "todos obtenham pleno conhecimento da verdade" (I Tm 2:3,4), e não esse estupro de eleição preconceituosa de Deus escolhendo quem quer.

Paulo foi indiscutivelmente fundamental para a fé cristã, foi a figura mais proeminente e incomparável do N.T., sua conversão foi a mais chocante de todas. Paulo só faz bem, contudo, em certos casos seja necessário relativizá-lo.

Que possamos ler tudo com cuidado, até a bíblia.  

Rubens Júnior,  
Niterói, RJ 
11/07/12